Celebramos em 1917 o centenário das aparições de Nossa Senhora em Fátima. Elas foram e são ainda uma amorosa surpresa de Deus que, por Maria, veio em ajuda da Igreja perseguida, desorientada e muito ferida, convidando-a a recentrar-se no essencial da vida cristã: a conversão e a comunhão com Deus, a penitência e a oração. A história da Igreja em Portugal no século XX é incompreensível sem Fátima, que se tornou o centro de convergência e de irradiação das suas principais atividades pastorais e o seu rosto mais belo e mediático. Por tudo isto e por muito mais que cada um de vós poderia acrescentar, vamos viver este ano centenário expressando a nossa gratidão e amor à Virgem Maria, nossa querida Mãe do Céu.
Certamente, todos nós experimentámos já o amor puro e maternal do seu Coração Imaculado. E o nosso amor por ela? Em muitos casos é apenas superficial e interesseiro, porque, verdade seja dita, não a conhecemos bem. É estranho que os filhos conheçam mal a sua mãe e que gritem por ela apenas quando estão aflitos! Consciente do seu lugar na Igreja e do seu poder para nos atrair e levar a Cristo, Maria veio e continua a vir ao nosso encontro. Vamos nós também, durante este ano, aproximar-nos dela para a conhecermos melhor, e assim melhor a podermos amar e servir. Mais do que umas tantas informações que estes textos eventualmente nos deem, este conhecimento da Virgem Santa Maria deve traduzir-se numa amizade cultivada e numa profunda devoção de cada um de nós para com ela.
Estas catequeses são uma oferta simples que pomos com amor nas suas mãos para que seja ela a oferecê-las a cada paróquia, a cada comunidade e a cada um de vós. Recebei-as com a simplicidade e a alegria das crianças para vos tornardes sábios com a sabedoria de Deus. Aquela que é a sede da sabedoria e imagem da sabedoria criada escolheu três crianças analfabetas para suas mensageiras e ajudou assim a Igreja a renovar-se, reencontrando a sua identidade e a sua missão. Deus serve-se daqueles que nada valem aos olhos do mundo para realizar as suas obras.
No dia 13 de Outubro de 1917, depois da última aparição de Nossa Senhora, a pastorinha Lúcia gritou para a multidão que ali se tinha juntado: «olhem para o sol!». Aquela gente viu, deslumbrada, o milagre do sol, que foi como que o selo de autenticidade aposto por Deus a estas manifestações da Virgem Maria em Fátima. Mas penso que estas palavras de Lúcia podem muito bem resumir toda a mensagem de Nossa Senhora. Espiritualmente falando, o sol das nossas vidas é Deus, cujo amor e misericórdia tudo ilumina e envolve. Só podemos olhar para o sol se uma nuvem não muito espessa estiver entre nós e ele. Essa nuvem que nos permite contemplar Deus é a Virgem Maria, ela que já no Antigo Testamento está prefigurada também naquela nuvem que protegeu o povo de Israel no deserto, a caminho da terra prometida.
Olhar para o sol pode significar para cada um de nós reconhecer que Deus existe e é a fonte da vida e do amor, aceitá-l’O como nosso Deus e Senhor e viver centrados n’Ele, a partir d’Ele e para Ele, amá-l’O como seus filhos e adorá-l’O tal como o anjo ensinou aos pastorinhos. Pode significar também viver aquela grande amizade com Deus que o beato Francisco cultivou, apaixonado por Jesus escondido na Eucaristia. Olhar para Deus pode e deve significar ainda deixarmo-nos conquistar pelo seu amor aos pecadores de modo a intercedermos por eles como a beata Jacinta, ou ainda aprendermos a refugiar-nos, como Lúcia, no Coração Imaculado de Maria e deixarmo-nos conduzir por ele ao longo da nossa vida.
Com a revelação, no ano 2000, da terceira parte do segredo que sublinha os sofrimentos e o martírio de tantos cristãos nesta época marcada pelo ateísmo e pelo materialismo, pelo neopaganismo e pelo fundamentalismo islâmico, a mensagem de Fátima continua a revelar-se muito atual. Nunca houve tantos mártires na Igreja como no séc. XX e XXI. Sermos cristãos a sério implica estarmos preparados para dar testemunho da nossa fé e da nossa esperança com a nossa própria vida e o nosso sangue, por amor de Jesus e da Igreja nossa mãe.
As sete catequeses que vos oferecemos não serão certamente sete espadas. Oxalá sejam sete momentos propícios para que a Palavra de Deus, a espada que trespassou o coração da Virgem Maria, trespasse também o nosso para o purificar de tudo o que o impede de ser habitação digna de Deus. Com elas percorreremos os mistérios da vida de Nossa Senhora que nos ajudarão a conhecer melhor a Igreja e a sua missão e nos mostrarão com mais nitidez o essencial da vida cristã. Sugerimos que as três primeiras sejam feitas até ao Natal, a quarta e a quinta até à Páscoa e as outras duas depois da Páscoa.
Estas sete catequeses vão acompanhadas de algumas citações da Sagrada Escritura e também do Catecismo da Igreja Católica que as completam e vos podem ajudar a aprofundar cada um dos temas. Este opúsculo inclui também um breve devocionário que é um subsídio para a oração do terço e para a oração individual.
A visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima às dioceses de Portugal suscitou, por toda a parte, um grande entusiasmo que reuniu multidões para a acolherem e saudarem. Nas nossas cidades, vilas e aldeias, muitas pessoas que não vão à missa não faltam quando há uma procissão de Nossa Senhora e vão acompanhar a santinha. Porque será que a Virgem Maria atrai tanto as pessoas? Ela é a presença da ternura de Deus, mãe carinhosa e solícita por nós seus filhos e por toda a humanidade.
Para nós cristãos, como ensinou o Concílio Vaticano II: Maria é imagem e início da Igreja e brilha como sinal de esperança segura e de consolação para o Povo de Deus peregrino na terra (LG 68). Assim, quem quiser saber o que é a Igreja olhe para a Virgem Maria: ela é a sua maquete perfeitíssima que Deus nos dá para não trabalharmos em vão na sua edificação. Situada entre a cabeça da Igreja, que é Cristo, e o corpo, que somos todos nós, tudo passa por Maria. Ela não é o centro, mas está no centro da Igreja. Assim, o que se diz da Virgem Maria em especial diz-se da Igreja em geral e de cada cristão em particular. Quem quiser saber o que é um verdadeiro cristão olhe para a Virgem Maria: o que Deus realizou nela é o que quer realizar em cada um de nós. Ela é o verdadeiro espelho de justiça, é com ela que aprendemos a relacionar-nos bem com Deus, com o próximo e com as coisas.
Como veremos, os evangelhos não nos dão muitas notícias acerca desta mulher admiravelmente simples e cheia de Deus que o anjo Gabriel saudou em Nazaré, mas que, segundo uma tradição, era natural de Jerusalém. Mas nos poucos textos que se lhe referem encontramos tesouros imensos: a cheia de graça é, como cantamos, a obra mais sublime que saiu das mãos de Deus e uma vida inteira não bastaria para nos adentrarmos suficientemente no seu mistério admirável. No Antigo Testamento aparecem várias prefigurações suas como, por exemplo, Judite e Ester, mulheres por meio das quais o Senhor salvou o seu povo. Maria é aquela mulher profetizada no Génesis como mãe dos viventes, nova Eva, cuja descendência, Cristo, esmagou a cabeça da serpente (Gn 3,15.20). Ela é a Virgem grávida que deu à luz o Emanuel, o Deus connosco, profetizada por Isaías (Is 7,14). Ela é também a mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e que grita com ânsias de dar à luz profetizada no livro do Apocalipse, mãe de Jesus Cristo, Filho de Deus, e de todos nós seus irmãos adotivos, defendida e sustentada por Deus no terrível combate que lhe move o demónio ao longo da história. (Ap 12,1-17).
Quem é essa que surge como a aurora, bela como a lua, fulgurante como o sol, terrível como um esquadrão de bandeiras desfraldadas (Ct.6,10)? Maria Imaculada, Virgem cheia de graça, Esposa do Espírito Santo, Mãe do Filho de Deus, é a manifestação mais sublime da beleza de Deus no mundo. A sua beleza afugenta o pecado e é o terror dos demónios. Ela é a Mãe do amor formoso, a Porta do Céu, o Auxílio dos cristãos. As muitas invocações que lhe dirigimos testemunham bem a sua importância para nós, discípulos de Jesus. Se percorremos a ladainha, encontramos um grupo de invocações que se refere à sua maternidade, outro à sua virgindade, outro à sua realeza, outro ainda recolhe expressões do Cântico dos Cânticos e de outros livros da Escritura em que transparecem aspetos do seu mistério e da sua missão. Ela é a Arca da Aliança, a Causa da Nossa Alegria, a Torre de David, a Torre de Marfim, o Vaso Honorífico, o Vaso Espiritual, a Estrela da Manhã, a Saúde dos Enfermos, a Consoladora dos Aflitos, o Lugar Junto de Deus, o Esplendor do Carmelo, a Sede da Sabedoria, a Rosa Mística… Desafiamos algum curioso devoto de Nossa Senhora, a decifrar o conteúdo escondido em cada uma destas invocações!
Que nos diz a Igreja acerca de Maria? Diz-nos antes de mais que é a Mãe de Jesus, e sendo Jesus verdadeiro Deus e Homem verdadeiro, que ela é Mãe de Deus, Theotokos. Por isso a invocamos dizendo: Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores. Diz-nos depois que ela é a Sempre Virgem: Virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Como proclamamos na Liturgia, o facto de ser mãe do Filho de Deus não destruiu, antes consagrou a sua virgindade. A Igreja ensina-nos também que ela foi concebida sem mancha do pecado original (Imaculada Conceição) e ainda que foi elevada ao céu em corpo e alma logo após a sua morte, ou seja, que já está plenamente ressuscitada e glorificada com Cristo no céu. Estes quatro dogmas marianos (Mãe de Deus, Virgindade perpétua, Imaculada Conceição e Assunção) são os quatro pilares da fé da Igreja acerca de Nossa Senhora, e dizem-nos que a Igreja chegará a ser um dia em plenitude, aquilo que a Virgem Santa Maria é: Mãe de Jesus, Virgem, imaculada e glorificada. Dizem também a cada um de nós, cristãos, que Deus nos escolheu para sermos santos e imaculados (Ef 1, 4-6), virgens, quer dizer inteiramente habitados pelo Espírito de Deus, livres do pecado, fecundos, gerando Cristo nos nossos irmãos, e que seremos glorificados com Cristo, tal como foi a Virgem Maria. No fundo, é isso que nos diz São Paulo: os que de antemão Deus conheceu, esses também predestinou a serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de ser Ele o primogénito de muitos irmãos. E os que predestinou, também os chamou; e os que chamou, também os justificou, e os que justificou, também os glorificou (Rm 8, 29-30).
Como vedes, e como a História demonstra abundantemente, sem a Virgem Maria não distinguimos com nitidez o que é a Igreja e qual a sua missão, nem sabemos concretamente em que consiste a vida cristã. Precisamos de conhecê-la para a podermos amar como mãe e imitar como modelo. Aceitemos o convite de São João Paulo II em Fátima, ao beatificar os pastorinhos, para entrarmos e frequentarmos a escola de Maria. Deixemo-nos seduzir por Maria, consagremo-nos a Ela e seremos aquela Igreja viva que o Senhor deseja para fazer aparecer, nas nossas comunidades, as flores da fé e da esperança e os saborosos frutos da caridade.
A palavra religião tem a ver com religação, religação do homem com Deus. Sempre insatisfeito, o coração do homem deseja uma plenitude de vida, de felicidade e de amor que não pode encontrar em si mesmo nem no mundo criado. Esse esforço por se abrir a Deus e por estabelecer relação com Ele é a base comum a todas as religiões, mantendo no entanto, sempre bem separados, o espaço de Deus e o do homem como diz o Salmo: o céu é o céu do Senhor, a terra deu-a aos filhos dos homens (Sl 115,16).
O cristianismo é uma surpresa: Deus veio à terra para viver com os homens aqui, e quer que os homens vivam com Ele no Céu. Ao enviar ao mundo o Seu Filho, que sendo Deus verdadeiro é também verdadeiro homem, Deus realizou aquilo que o homem sonhava e não conseguia alcançar por si próprio: a ligação perfeita entre o céu e a terra, a verdadeira religião. Foi por amor de nós, homens, e para nos salvar da escravidão do pecado, que Deus tomou essa iniciativa. Porque nos ama, Deus não ficou indiferente aos nossos sofrimentos e frustrações por usarmos mal a nossa liberdade e veio ao nosso encontro.
Como foi que Deus entrou na humanidade? Como é que entra hoje na vida das pessoas, na vida de cada um de nós? Escutemos com atenção a Anunciação do Anjo a Nossa Senhora. Vejamos como a Virgem Maria foi evangelizada, deixemo-nos evangelizar e aprendamos com ela a escutar e a responder ao Senhor:
Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo» Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria o que significava tal saudação. Disse-lhe o anjo: «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?» O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, porque nada é impossível a Deus.» Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» E o anjo retirou-se de junto dela. (Lucas 1,26-38)
Isto, que o Anjo anunciou a Maria da parte de Deus, realizou-se. Por obra do Espírito Santo, sem intervenção de homem, Maria ficou grávida e tornou-se mãe de Jesus. A Palavra de Deus tem o poder de se cumprir, de realizar aquilo que promete e anuncia. A grande maravilha e a grande surpresa é que Deus quer realizar em cada um de nós aquilo mesmo que realizou em Maria: quer que o Seu Filho Se forme em nós para em nós Se manifestar ao mundo e realizar as obras de Deus. Não há cristianismo onde não acontece a Encarnação do Verbo de Deus. Não há Igreja autêntica onde a Palavra de Deus não é escutada nem se faz carne em cada um dos fiéis. Para nós cristãos, nada pode substituir a Encarnação do Verbo de Deus: nem ideais, nem sabedorias, nem valores, nem qualquer outra coisa, por mais sublime que seja. A Encarnação do Verbo acontece por iniciativa de Deus e pelo seu poder, com a nossa colaboração. O homem, só por si, não consegue chegar ao céu nem trazer o céu à terra. Para que a Encarnação do Verbo de Deus se dê em nós, Deus pede-nos que recebamos e guardemos a semente da sua Palavra com humildade e confiança, tal como a Virgem Maria. A presença de Cristo em nós não é um auto convencimento, uma suposição da nossa subjetividade, um faz-de-conta. Vê-se que Cristo habita em nós pelo Espírito que nos anima e pelas obras que realizamos, as suas mesmas obras, as obras do Pai do Céu. Foi Jesus quem o disse: quem acredita em mim fará também as obras que eu faço (Jo 14,12). A fé cristã, a árvore que produz os maravilhosos frutos da caridade, nasce de escutar o anúncio do Evangelho (Cf. Rom 10,14-18).
Que anúncio é esse que, escutado, suscita a fé? Em que consiste esse anúncio que todo o homem precisa de escutar e acolher para se tornar cristão? Muito resumidamente é este: porque fomos criados por Deus à sua imagem e semelhança e Deus é amor, apenas seremos felizes se amarmos como Deus ama. Amar não é apenas um sentimento, consiste em dar a vida, em não vivermos para nós mesmos, em não sermos egoístas. Mas nós não podemos dar a vida, porque, pelo pecado que habita em nós, somos escravos do medo de morrer (Hb 2, 14-15). Façamos o que fizermos, somos seres condenados à morte e não podemos alcançar aquela vida em plenitude que o nosso coração deseja mais que tudo. A boa notícia é esta: Cristo morreu e ressuscitou, amou-nos dando a sua vida por nós e ressuscitou, venceu a morte, para nos libertar do medo de morrer e nos dar o seu Espirito, que nos une a Ele, como membros do seu corpo que é a Igreja, para darmos testemunho da sua vitória e sermos glorificados com Ele. Tornamo-nos de verdade filhos adotivos de Deus e herdeiros da sua mesma vida. Passamos de escravos a filhos! Esta é a promessa que Jesus nos faz: a Vida eterna. Este é o seu mandamento e o programa da nossa vida, e só quem tem o seu Espírito o pode cumprir: amarmo-nos uns aos outros como Ele nos amou, como o Pai o ama a Ele e a nós.
Como será isso? Como pode acontecer tal coisa em pessoas tão limitadas como nós? Tal como o Anjo disse a Maria, é obra do Espírito Santo. Por isso, sempre que escutas o Evangelho abre-te ao Espírito de Deus, não duvides da sua promessa e responde como Maria para que Cristo se forme em ti. Esta gestação de Cristo em nós só é possível no seio da Igreja, tal como foi no seio de Maria que Jesus se formou.
Para que este anúncio chegue a toda a humanidade, são precisos anjos, mensageiros, que têm experiência da verdade que anunciam. Para que a Igreja hoje se renove é necessária a evangelização. Sem evangelização não há Igreja. A evangelização é a raiz desta árvore que é a vida cristã. Concretamente, tu acreditas que Deus te ama, que te escolheu para seres seu filho adotivo? Tu acreditas e queres que Jesus se forme e viva em ti como fonte de vida eterna? Deus quer realizar em ti grandes maravilhas, coisas sublimes que ultrapassam as tuas expectativas mais dilatadas. E quem és tu, quem somos nós? O Senhor pôs os olhos na nossa pequenez.
Deslumbramento, humildade, gratidão, disponibilidade, esperança, enchem o coração de quem recebe com fé o anúncio do Evangelho! Talvez comeces agora a compreender por que razão a Igreja nos ensina a repetir vezes sem conta a Ave-Maria, as palavras pelas quais Deus entrou no mundo, as palavras pelas quais Deus bate à porta de cada um de nós. Responde como Maria: eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.
Perguntas para refletir e dialogar:
Eu cá tenho a minha fé! Muitas pessoas que se dizem cristãs e católicas têm uma fé inconsequente, vivem como os pagãos. Têm a sua fé, mas não têm a fé da Igreja nem obedecem aos mandamentos de Deus. Geralmente não têm prática dominical e dizem que a missa não lhes diz nada.
Entre o acreditar e o praticar está o celebrar. A fé conduz-nos à liturgia que sustenta a nossa esperança e nos leva a agir como filhos de Deus. As palavras e os gestos da liturgia devem tornar-se as palavras e os gestos da nossa vida. A liturgia tem a ver com a esperança. A esperança cristã é celebrada e alimentada pela liturgia cristã. Por isso, não é de supor que tenha uma esperança sobrenatural nem que viva a caridade para além de uma solidariedade humanitária que também se pode encontrar em qualquer pessoa bem formada, com religião ou sem ela, quem vive a fé cristã ao nível de uma religiosidade natural.
A fé cristã é uma realidade sobrenatural que nos dá algo humanamente impensável: Deus a viver em nós neste mundo e a promessa dessa mesma vida em plenitude, a vida eterna, quando chegar o momento de partirmos deste mundo. Nós, cristãos, esperamos o Céu. Estamos neste mundo, mas somos cidadãos do Reino dos Céus. Esta é a esperança de que somos portadores, esta é a esperança que nos sustenta e nos transporta na vida presente. Como diz Santo Ambrósio: «toda a alma que escuta e acredita, concebe e dá à luz o Verbo de Deus, e reconhece as suas obras». Que acontece na nossa vida entre o começo da fé e o aparecimento dos seus frutos? Escutemos o que nos conta São Lucas acerca do que viveu a Virgem Maria entre a Anunciação e o Nascimento de Jesus:
Por aqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Então, erguendo a voz, exclamou: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio. Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor. Maria disse, então:
«A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante, me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome. A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre.»
Maria ficou com Isabel cerca de três meses. Depois regressou a sua casa.»
(Lc1,39-46)
Sublinhemos alguns aspetos: Maria pôs-se a caminho. O Verbo de Deus que nós escutamos e recebemos tem este dinamismo que nos desinstala e nos põe a caminho. Foi já o que aconteceu com Abraão, aprendendo a caminhar na presença de Deus, à luz da sua palavra, na esperança da realização da promessa (Cf. Gen17,1-8). Quem é espiritualmente surdo está instalado e não espera nada de especial. É também espiritualmente mudo e paralítico, incapaz de caminhar e de falar da sua fé.
Maria foi ao encontro de Isabel que, como o anjo dissera, estava no sexto mês de uma gravidez inesperada, possível apenas por intervenção de Deus, um pouco como a de Maria. Quando a saudação de Maria ressoou, Isabel ficou cheia do Espírito Santo, o menino saltou de alegria no seu ventre e inspirada por Deus, reconhece em Maria a mãe do Senhor. A resposta de Maria, o Magnificat, é um hino admirável de louvor e ação de graças a Deus pela sua misericordia e fidelidade, uma explosão de júbilo pelas maravilhas que Deus estava a realizar, enviando ao mundo o Seu Filho. O último versículo do texto faz-nos supor que Maria esteve ao serviço de Isabel até ao nascimento de João Batista.
Se repararmos bem, este texto da Visitação de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel fala-nos de tudo o que é necessário para que Cristo cresça em nós: vemos, antes de mais, a necessidade de caminharmos ao encontro dos irmãos. Ninguém é cristão sozinho. Depois, o ressoar da saudação de Maria é a catequese que alimenta a nossa fé e faz vibrar dentro de nós a presença de Cristo. A explosão daquele júbilo consonante das duas mulheres e o cântico da Virgem Maria significam a liturgia que nos sustenta na esperança. O serviço humilde de Maria a Isabel é uma expressão clara da caridade que, como filhos de Deus, precisamos de cultivar. Não há vida cristã sem estes elementos: vida comunitária, escutar a Palavra, celebrar a Eucaristia e servir a Cristo nos irmãos. Recuperando-os e conjugando-os nas nossas paróquias e comunidades, é possível superarmos o divórcio que existe entre a fé e as obras, entre a liturgia e a vida do dia-a-dia dos cristãos.
Tais como a Virgem grávida, os verdadeiros cristãos são portadores de Cristo (Cristóvãos), são os homens da esperança. Impressiona sempre o testemunho dos mártires que não trocam esta esperança por nada do mundo. Lemos nas atas do martírio de S. Justino, no século II, que o juiz lhe perguntou: «Tu supões que, se morreres por Cristo serás recompensado no Céu?» Ele respondeu: «não suponho, sei-o com toda a certeza».
Não será esta esperança um engano coletivo, um fanatismo irracional? Diz S. Paulo: a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. (Rm 5,1-5). Quer dizer: a esperança não engana porque aquilo que esperamos receber em plenitude na vida futura, já o vamos experimentando na vida presente. Imagem desta esperança que não engana é a Virgem do Sinal, Nossa Senhora do Ó, alimentando e defendendo a vida divina de que é portadora e que o mundo precisa de receber.
Perguntas para refletir e dialogar:
O cristianismo é uma surpresa: Deus veio à terra para viver com os homens aqui, e quer que os homens vivam com Ele no Céu. Ao enviar ao mundo o Seu Filho, que sendo Deus verdadeiro é também verdadeiro homem, Deus realizou aquilo que o homem sonhava e não conseguia alcançar por si próprio: a ligação perfeita entre o céu e a terra, a verdadeira religião. Foi por amor de nós, homens, e para nos salvar da escravidão do pecado, que Deus tomou essa iniciativa. Porque nos ama, Deus não ficou indiferente aos nossos sofrimentos e frustrações por usarmos mal a nossa liberdade e veio ao nosso encontro.
Como foi que Deus entrou na humanidade? Como é que entra hoje na vida das pessoas, na vida de cada um de nós? Escutemos com atenção a Anunciação do Anjo a Nossa Senhora. Vejamos como a Virgem Maria foi evangelizada, deixemo-nos evangelizar e aprendamos com ela a escutar e a responder ao Senhor:
Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo» Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria o que significava tal saudação. Disse-lhe o anjo: «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?» O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, porque nada é impossível a Deus.» Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» E o anjo retirou-se de junto dela. (Lucas 1,26-38)
Isto, que o Anjo anunciou a Maria da parte de Deus, realizou-se. Por obra do Espírito Santo, sem intervenção de homem, Maria ficou grávida e tornou-se mãe de Jesus. A Palavra de Deus tem o poder de se cumprir, de realizar aquilo que promete e anuncia. A grande maravilha e a grande surpresa é que Deus quer realizar em cada um de nós aquilo mesmo que realizou em Maria: quer que o Seu Filho Se forme em nós para em nós Se manifestar ao mundo e realizar as obras de Deus. Não há cristianismo onde não acontece a Encarnação do Verbo de Deus. Não há Igreja autêntica onde a Palavra de Deus não é escutada nem se faz carne em cada um dos fiéis. Para nós cristãos, nada pode substituir a Encarnação do Verbo de Deus: nem ideais, nem sabedorias, nem valores, nem qualquer outra coisa, por mais sublime que seja. A Encarnação do Verbo acontece por iniciativa de Deus e pelo seu poder, com a nossa colaboração. O homem, só por si, não consegue chegar ao céu nem trazer o céu à terra. Para que a Encarnação do Verbo de Deus se dê em nós, Deus pede-nos que recebamos e guardemos a semente da sua Palavra com humildade e confiança, tal como a Virgem Maria. A presença de Cristo em nós não é um auto convencimento, uma suposição da nossa subjetividade, um faz-de-conta. Vê-se que Cristo habita em nós pelo Espírito que nos anima e pelas obras que realizamos, as suas mesmas obras, as obras do Pai do Céu. Foi Jesus quem o disse: quem acredita em mim fará também as obras que eu faço (Jo 14,12). A fé cristã, a árvore que produz os maravilhosos frutos da caridade, nasce de escutar o anúncio do Evangelho (Cf. Rom 10,14-18).
Que anúncio é esse que, escutado, suscita a fé? Em que consiste esse anúncio que todo o homem precisa de escutar e acolher para se tornar cristão? Muito resumidamente é este: porque fomos criados por Deus à sua imagem e semelhança e Deus é amor, apenas seremos felizes se amarmos como Deus ama. Amar não é apenas um sentimento, consiste em dar a vida, em não vivermos para nós mesmos, em não sermos egoístas. Mas nós não podemos dar a vida, porque, pelo pecado que habita em nós, somos escravos do medo de morrer (Hb 2, 14-15). Façamos o que fizermos, somos seres condenados à morte e não podemos alcançar aquela vida em plenitude que o nosso coração deseja mais que tudo. A boa notícia é esta: Cristo morreu e ressuscitou, amou-nos dando a sua vida por nós e ressuscitou, venceu a morte, para nos libertar do medo de morrer e nos dar o seu Espirito, que nos une a Ele, como membros do seu corpo que é a Igreja, para darmos testemunho da sua vitória e sermos glorificados com Ele. Tornamo-nos de verdade filhos adotivos de Deus e herdeiros da sua mesma vida. Passamos de escravos a filhos! Esta é a promessa que Jesus nos faz: a Vida eterna. Este é o seu mandamento e o programa da nossa vida, e só quem tem o seu Espírito o pode cumprir: amarmo-nos uns aos outros como Ele nos amou, como o Pai o ama a Ele e a nós.
Como será isso? Como pode acontecer tal coisa em pessoas tão limitadas como nós? Tal como o Anjo disse a Maria, é obra do Espírito Santo. Por isso, sempre que escutas o Evangelho abre-te ao Espírito de Deus, não duvides da sua promessa e responde como Maria para que Cristo se forme em ti. Esta gestação de Cristo em nós só é possível no seio da Igreja, tal como foi no seio de Maria que Jesus se formou.
Para que este anúncio chegue a toda a humanidade, são precisos anjos, mensageiros, que têm experiência da verdade que anunciam. Para que a Igreja hoje se renove é necessária a evangelização. Sem evangelização não há Igreja. A evangelização é a raiz desta árvore que é a vida cristã. Concretamente, tu acreditas que Deus te ama, que te escolheu para seres seu filho adotivo? Tu acreditas e queres que Jesus se forme e viva em ti como fonte de vida eterna? Deus quer realizar em ti grandes maravilhas, coisas sublimes que ultrapassam as tuas expectativas mais dilatadas. E quem és tu, quem somos nós? O Senhor pôs os olhos na nossa pequenez.
Deslumbramento, humildade, gratidão, disponibilidade, esperança, enchem o coração de quem recebe com fé o anúncio do Evangelho! Talvez comeces agora a compreender por que razão a Igreja nos ensina a repetir vezes sem conta a Ave-Maria, as palavras pelas quais Deus entrou no mundo, as palavras pelas quais Deus bate à porta de cada um de nós. Responde como Maria: eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.
Perguntas para refletir e dialogar:
Os judeus e os muçulmanos acreditam em Deus mas não em Cristo. Os protestantes acreditam em Cristo, mas não querem a Igreja. Também há pessoas que querem a Igreja e as suas liturgias mas não os seus pastores. A todos esses respondemos com três frases que são como a espinha dorsal da nossa fé.
1 - Onde está Pedro está a Igreja de Cristo (Tu és Pedro e sobre esta pedra [que é a tua profissão de fé] edificarei a minha Igreja).
2 - Ninguém pode chegar a Cristo sem passar pela Igreja, que é o seu Corpo.
3 - Ninguém pode conhecer a Deus e chegar até Ele a não ser por Jesus seu Filho, Caminho, Verdade e Vida.
Resumindo: Deus está em Cristo, Cristo está na Igreja e a Igreja de Cristo está onde está Pedro.
No mistério gozoso desta quarta catequese começamos por meditar no feliz e atribulado nascimento de Jesus no presépio de Belém. Gostava que o contemplássemos a partir das representações da melhor tradição iconográfica que nos mostram Jesus envolvido em faixas e deitado numa manjedoura, dentro da gruta. No primeiro plano vemos deitada a Virgem Maria, atravessada em diagonal. Habituados como estamos a uma religiosidade sentimental, essa atitude da Virgem Maria, deitada e de costas voltadas para o Menino, é chocante para muita gente. No entanto, diz-nos uma importantíssima verdade: ninguém pode chegar a Cristo sem passar pela Virgem Maria, ninguém pode ser filho de Deus sem ser filho da Igreja. Dito de outra maneira, com palavras de S. Cipriano, bispo de Cartago e mártir: não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Escutemos o texto de S. Lucas:
Inserir (2, 1-20)
É por Maria que o Verbo de Deus recebe carne humana e se faz homem. É no seio da mãe Igreja que uma pessoa pode tornar-se cristã, filha de Deus. Fora da Igreja que é o corpo e a carne de Cristo, não pode acontecer hoje o mistério da Encarnação. Assim como Maria é a mãe do Filho de Deus, a Igreja é a mãe dos filhos adotivos de Deus. Apesar de todo o clericalismo que a tem masculinizado e deformado, a Igreja é feminina, é mãe! Ao nascimento de Jesus corresponde o batismo de cada cristão. A Igreja é a mãe de Jesus a formar-Se no coração dos fiéis. Dais-vos conta de como tantos cristãos não amam e chegam tão facilmente a desprezar a Igreja, sua mãe espiritual?
Como sabemos, não foi pacífica a entrada neste mundo, de Jesus, o Príncipe da Paz. Não havia lugar na estalagem e Herodes perseguiu-O para o matar. Para O salvar, José e Maria fugiram para o Egito. Hoje, também o neopaganismo desta sociedade que despreza Deus e a Igreja é cada vez mais agressivo contra as manifestações da presença de Cristo no mundo. Não é nada de novo. Já lá vão os tempos em que, entre nós, toda a gente era aparentemente católica e também então, quando o Espírito de Deus suscitava novas formas de viver o Cristianismo surgiam perseguições, quase sempre da parte dos bons. S. Inácio de Loyola e S. Teresa que o digam!
A missão de Maria, como mãe de Jesus, não terminou em Belém. Jesus precisou dela e de S. José para crescer até se tornar adulto e assim poder realizar a obra da redenção humana, anunciando o Evangelho e dando a sua vida, na Cruz, por nós. Introduzindo-nos um pouco nesse período mais obscuro da vida de Jesus, o evangelista S. Lucas conta-nos um episódio passado com Ele aos doze anos. Escutemos:
Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, pela festa da Páscoa. Quando Ele chegou aos doze anos, subiram até lá, segundo o costume da festa. Terminados esses dias, regressaram a casa e o menino ficou em Jerusalém, sem que os pais o soubessem. Pensando que Ele se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém, à sua procura. Três dias depois, encontraram-no no templo, sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. Todos quantos o ouviam, estavam estupefactos com a sua inteligência e as suas respostas. Ao vê-lo, ficaram assombrados e sua mãe disse-lhe: «Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura!» Ele respondeu-lhes: «Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» Mas eles não compreenderam as palavras que lhes disse. Depois desceu com eles, voltou para Nazaré e era-lhes submisso. Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração. E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens. (Lc 2, 41-52)
No caminho da nossa vida cristã pode acontecer que percamos Jesus, que nos percamos d’Ele. Se então O procurarmos entre os vizinhos e conhecidos, ou seja, nos esquemas habituais, não O encontraremos. É o mesmo que procurar entre os mortos Aquele que vive! (Lc 24,1-8) Jesus, tal como o seu Pai, é surpreendente, nunca se repete. Quando Se deixa encontrar por nós é para nos apontar uma nova etapa, um novo horizonte. A Maria e a José que O tinham perdido e que O encontraram no Templo de Jerusalém, Jesus diz uma palavra, a sua primeira palavra registada no Evangelho: porque Me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai? (Lc 2,49). S. Lucas acrescenta que José e Maria não entenderam essa palavra, e que Jesus desceu com eles para Nazaré e era-lhes submisso. Acrescenta ainda que Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens. Com estas palavras se resume a vida de Jesus e de Maria em Nazaré. A Sagrada Família de Nazaré é imagem da Igreja e das nossas famílias cristãs. Tal como Jesus precisou dela para crescer e cresceu sendo submisso a Maria e a José, assim também nós precisamos dela para nos tornarmos cristãos adultos. Dia após dia, na oração e no trabalho, Jesus cresce e Maria diminui, tornando-se serva e discípula de seu Filho.
Em dois pequenos episódios da vida pública de Jesus parece que Este relativiza e quase despreza sua mãe. A uma mulher entusiasmada que lhe gritou: feliz o ventre que te trouxe e os peitos que te amamentaram Jesus respondeu: mais felizes são os que ouvem a Palavra de Deus e a poem em prática. A outro que lhe anunciava a chegada de sua mãe e seus irmãos (primos) que lhe queriam falar, Jesus retorquiu: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? Todo aquele que faz a vontade de meu Pai, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Jesus desprezou a sua mãe? Não. Como escreveu S. Agostinho: mais ditosa é Maria por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido mãe de Cristo e ainda Maria era feliz porque ouviu a palavra de Deus e a pôs em prática; guardou mais a verdade de Cristo na sua mente do que o corpo de Cristo no seu seio. Cristo é verdade; Cristo é carne. Cristo é verdade no espírito de Maria, Cristo é carne no seio de Maria; é mais o que está no espírito do que o que se traz no seio (Sermão 25, 7-8; PL 46- 937-938).
Terminemos esta catequese com a surpreendente declaração de Jesus a respeito de nós seus discípulos, homens e mulheres, em quem Ele se formou e vive pela fé: Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática (Lc 8,21). Jesus considera-nos não, apenas seus irmãos, mas sua mãe. Isto dá muito que entender, e muitíssimo que fazer.
Perguntas para refletir e dialogar:
Uma das imagens que mais tocam a sensibilidade religiosa do nosso povo é a da Senhora das Dores, é a presença da mãe de Jesus na sua Paixão. A nossa catequese de hoje está apoiada em dois textos do evangelho segundo S. João: as bodas de Caná e Maria junto à cruz. Em ambos está presente a Virgem Maria que Jesus chama insolitamente mulher, dizendo assim que Ele é o novo Adão. Jesus veio ao mundo como Salvador, para salvar a humanidade da escravidão do pecado. Veio, não apenas como Mestre e Pastor, mas também como Esposo e Redentor, como Sacerdote e Vítima. Se repararmos com atenção, Ele é o misterioso Esposo, não nomeado, das bodas de Caná. Ele desposou a Igreja, sua Esposa a quem Se uniu no leito da Cruz, onde recebeu o vinagre dos nossos pecados e nos ofereceu o vinho novo do seu Espírito. Na Cruz Ele deu a sua vida por nós, deu-nos a sua própria Vida de Filho de Deus, transformou a água das promessas de Deus no Antigo Testamento na realidade do seu Espírito entregue para nos fazer participantes da sua vitória sobre a morte e da sua glória de Filho de Deus. Ali realizou uma Nova Criação em que Maria, imagem da Igreja, aparece como nova Eva, como mãe dos viventes, daqueles que, lavados dos seus pecados no sangue de Cristo passaram da morte para a vida.
Escutemos estes dois breves textos. Escutemo-los com muita atenção porque são muito densos:
Ao terceiro dia, celebrava-se uma boda em Caná da Galileia e a mãe de Jesus estava lá. Jesus e os seus discípulos também foram convidados para a boda. Como viesse a faltar o vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: «Não têm vinho!» Jesus respondeu-lhe: «Mulher, que há entre mim e ti? Ainda não chegou a minha hora.» Sua mãe disse aos serventes: «Fazei o que Ele vos disser!» Ora, havia ali seis talhas de pedra preparadas para os ritos de purificação dos judeus, com capacidade de duas ou três medidas cada uma. Disse-lhes Jesus: «Enchei as talhas de água.» Eles encheram-nas até cima. Então ordenou-lhes: «Tirai agora e levai ao chefe de mesa.» E eles assim fizeram. O chefe de mesa provou a água transformada em vinho, sem saber de onde era – só o sabiam os serventes que tinham tirado a água; chamou o noivo e disse-lhe: «Toda a gente serve primeiro o vinho bom e, depois de terem bebido bem, é que serve o inferior. Tu, porém, guardaste o vinho bom até agora! Foi assim, em Caná da Galileia, que Jesus realizou o princípio dos seus sinais. Manifestou a sua glória, e os discípulos acreditaram n’Ele. (Jo 2, 1-11)
Junto à cruz de Jesus estavam, de pé, sua mãe e a irmã da sua mãe, Maria, a mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Então, Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse à mãe: «Mulher, eis o teu filho!» Depois, disse ao discípulo: «Eis a tua mãe!» E, desde aquela hora, o discípulo recebeu-a em sua casa. Depois disso, Jesus, sabendo que tudo se tinha consumado, para se cumprir totalmente a Escritura, disse: «Tenho sede!» Havia ali uma vasilha cheia de vinagre. Então, ensopando no vinagre uma esponja fixada num ramo de hissope, chegaram-lha à boca. Quando tomou o vinagre, Jesus disse: «Tudo está consumado.» E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. (Jo 19, 25-30)
Qual é o lugar de Maria e dos discípulos na obra redentora de Jesus? No texto das bodas de Caná vemos Maria como intercessora atenta e solícita: «Não têm vinho». Ela, a cheia de graça, dá-se conta de que a vida de quem vive sem Deus não tem graça, é uma vida desgraçada. Ela intercede junto de seu Filho e diz aos servos estas palavras, as suas últimas palavras registadas no Evangelho, o seu testamento: «Fazei tudo o que Ele vos disser». Esta é também a missão da Igreja em todos os tempos, perante o mundo que precisa de ser evangelizado: interceder e ensinar a obedecer a Cristo. Essa é também a missão dos cristãos representados nos servos que, obedecendo a Jesus, encheram as talhas de água e foram os primeiros a saber de onde apareceu o vinho novo.
Este sinal das bodas de Caná em que Jesus transforma a água em vinho, cumpre-se no Calvário. Maria também ali está, de pé junto da Cruz mas, ao contrário de Caná, a sua presença é silenciosa. Unida à paixão do seu Filho, nela se reproduz, de certa maneira, a figura de Abraão disposto a imolar Isaac no monte Moriá (Cf. Gn.22,1-18). Perdendo o Filho Único, Maria torna-se mãe de uma multidão, mãe da humanidade resgatada, mãe dos filhos de Deus, nossa mãe, ao acolher-nos como filhos na pessoa de João. E assim como João a recebeu na sua casa também nós precisamos da sua presença materna em nossas vidas, em nossas famílias, em nossas casas, nos momentos de sofrimento e amargura mas também nos momentos de festa e no nosso dia-a-dia, para podermos manter-nos fiéis ao Senhor.
Estava lá a mãe de Jesus. Maria, discípula fiel do Seu Filho seguiu-O até à cruz e permaneceu de pé junto dela. Maria viveu em plenitude a verdadeira compaixão, que vai muito além dos sentimentos. A compaixão de Maria consistiu em estar espiritualmente crucificada com Cristo, e essa é também a compaixão dos verdadeiros discípulos, como diz S. Paulo: estou crucificado com Cristo e o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo (Gl 2, 19-20; 6,14). É fácil aquela compaixão sentimental que nos leva a chorar no sermão do encontro na procissão dos Passos, ao vermos aproximarem-se as imagens de Jesus com a Cruz às costas e da Senhora das Dores. Escutemos como dirigidas a nós as palavras do Senhor às mulheres de Jerusalém: Não choreis por mim (Lc23, 28)!
Não podemos ser discípulos de Cristo sem tomarmos corajosamente a nossa cruz em cada dia para O seguirmos (Mc 8,34-35). Quem foge da cruz fica estéril, fechado em si próprio, incapaz de dar a vida, e encara o sofrimento como a coisa mais inútil e absurda deste mundo. Quem, pelo contrário, aceita a sua cruz humilde e corajosamente, torna-se espiritualmente fecundo e encontra no sofrimento um meio para se unir a Cristo, como testemunha S. Paulo: completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo em benefício do seu Corpo que é a Igreja (Cl 1,24)
O texto das bodas de Caná termina dizendo que Jesus manifestou a sua glória e os seus discípulos acreditaram n’Ele. É na Cruz, vista à luz da Ressurreição, que vemos plenamente cumpridas estas palavras. É nela que vemos resplandecer a glória de Cristo que nos chama a segui-l’O unidos a Ele pela caridade e iluminados pela fé e pela esperança, na sua passagem deste mundo para o Pai.
Perguntas para refletir e dialogar:
Habitualmente, rezamos a Nossa Senhora. Sendo Mãe de Jesus está mais próxima d’Ele que ninguém, e confiamos na sua intercessão porque conhece as nossas necessidades e nos ama com um coração materno e imaculado. Além disso, pela sua presença discreta junto de Jesus ao longo de toda a sua vida, Maria tornou-se para nós exemplo admirável de oração e modelo perfeito da vida cristã. Com ela oraram Jesus e José, com ela oraram os apóstolos e a primeira comunidade de Jerusalém, com ela ora hoje a Igreja inteira. E cada um de nós que a recebeu como mãe e deseja viver como seu filho encontra nela a melhor mestra de oração.
Perante o único Deus, Criador e Senhor de todas as coisas, Maria ensina-nos a reconhecermo-nos criaturas e a adorá-l’O, a confiar n’Ele, a suplicar-Lhe e a agradecer-Lhe. Como filha do povo de Israel que aprendeu a reconhecer a intervenção de Deus na história e conheceu o seu amor manifestado na libertação do Egito, na Aliança, na palavra dos profetas, na correção, por vezes violenta, com que o foi educando, Maria ensina-nos a escutar a Palavra de Deus e a responder-Lhe, e a caminhar na sua presença sem duvidarmos do seu amor e da sua fidelidade mesmo quando parece que não nos escuta. Que maravilha podermos rezar os mesmos salmos e cânticos que Jesus rezou, que Nossa Senhora rezou, que os apóstolos rezaram com ela no Cenáculo e noutros lugares! Outros aspetos típicos da oração de Israel que a nossa Mãe do Céu nos ensina são a proclamação das maravilhas de Deus e as bênçãos, o dizer bem de Deus sempre e em toda a parte. Filha de Sião, filha de Israel por excelência, a Virgem Santíssima é para nós um testemunho eloquente da oração de Israel. Mas nela, que conviveu com Jesus, Sumo-Sacerdote da Nova Aliança, resplandece a novidade da oração cristã. Em que consiste essa novidade?
Convidamos-vos a entrar na escola de Maria, escola de oração e de vida cristã para aprenderdes com ela a orar e viver. Um pequeno texto do livro dos Atos dos Apóstolos apresenta-nos a Mãe de Jesus no Cenáculo, reunida em oração com os outros discípulos do Senhor, esperando o Espírito Santo.
Desceram, então, do monte chamado das Oliveiras, situado perto de Jerusalém, à distância de uma caminhada de sábado, e foram para Jerusalém. 13Quando chegaram à cidade, subiram para a sala de cima, no lugar onde se encontravam habitualmente. Estavam lá: Pedro, João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelota, e Judas, filho de Tiago. 14E todos unidos pelo mesmo sentimento, entregavam-se assiduamente à oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus. (Act 1,12-14)
Simbolicamente, a sala de cima significa a dimensão espiritual, significa, por oposição ao carnal e ao psíquico, o nosso espírito, o centro profundo de nós mesmos que pode acolher o testemunho do Espírito de Deus, como ensina S. Paulo. Orar na sala de cima em que o Espírito de Deus dá testemunho ao nosso espírito é dizer Abba, Pai, é orar como filhos de Deus a mesma oração de Jesus, Filho de Deus, é deixarmos que o Espírito Santo venha em ajuda da nossa fraqueza e ore em nós, porque nós não sabemos pedir como convém (cfr. Rm 8, 16.26-27).
Percorramos brevemente os passos da vida de Maria, nesta perspetiva. Temos, no seu acolhimento da saudação angélica e da boa notícia de que ia ser mãe do Filho de Deus um exemplo admirável de escuta e de aceitação humilde e confiante da vontade de Deus. Tanta palavra de Deus que a Igreja nos oferece! Porque não respondemos como Maria? Será que somos surdos ou fazemos ouvidos de mercador porque nos interessam mais os nossos projetos pessoais que o desígnio de Deus?
Na Visitação a Santa Isabel, depois das palavras cheias de entusiasmo de sua prima, Maria entoa o Magnificat. É uma verdadeira eucaristia, uma bendição e uma ação de graças, uma explosão de alegria e de entusiasmo em que Maria já agradece como realizado aquilo que apenas tinha começado. Ela não duvida do poder e da fidelidade do Senhor. Maria ensina-nos a glorificar o Senhor e a alegrarmo-nos n’Ele em vez de nos glorificarmos a nós mesmos, como fazem os pagãos. E o motivo para glorificarmos o Senhor é reconhecermos as maravilhas que Ele realizou em nós, pobres e inúteis. Maria sente-se envolvida pela misericórdia de Deus e sustentada pela sua fidelidade. Para nós, cristãos, este hino é tão importante que o cantamos todos os dias nas vésperas. Em cada dia, a Igreja usa estas palavras da Virgem Maria porque traduzem, melhor que quaisquer outras, a verdade mais profunda da sua identidade e da sua missão
Nas bodas de Caná ensina-nos a interceder pelo mundo, tal como ensinou também os pastorinhos. Não podemos ficar indiferentes aos problemas e necessidades dos outros. É o amor que nos faz levar à presença do Senhor as tristezas e amarguras dos que nos rodeiam.
Junto à cruz, qual foi a oração de Maria? Levada até ali e ali sustentada pela espada da Palavra que lhe trespassou o coração, certamente fez sua a mesma oração de Jesus no Getsémani: Abbá, Pai, faça-se a tua vontade e não a minha (Mc 14,36)! Diz a Carta aos Hebreus, que Jesus Se ofereceu a Si mesmo ao Pai (10,5-10). Não nos custa compreender que também Maria se ofereceu com Ele, e que também nós devemos, como filhos, esvaziarmo-nos de nós próprios e oferecermo-nos com Ele. Nisso consiste, precisamente, o culto espiritual inaugurado e plenamente realizado por Ele (Rm 12,1-2). Não participará da sua Ressurreição quem não aceitar renegar-se a si mesmo e morrer para si mesmo, unido a Ele. (Cf. Rm 6, 8-11)
A novidade da oração de Maria vem-lhe da sua condição de filha de Deus Pai, de mãe do Filho de Deus e de esposa do Espírito Santo. Como filha aprendeu de Jesus a agradecer ao Pai o que ainda não está realizado, aprendeu a rezar o Pai-Nosso e a oferecer-se com Ele ao Pai. Ainda como filha, mas sobretudo como esposa do Espírito Santo resume toda a sua oração pedindo ao Pai, com os apóstolos, o Espírito que Ele apenas dá aos que Lho pedem (Lc 11,13). É motivo de muita consolação para todos nós a certeza de que, glorificada no seio da Santíssima Trindade como Rainha do céu e da terra, mas próxima destes seus filhos que ama ternamente como mãe solícita, intercede continuamente por nós, unida ao seu Filho Jesus.
Em Fátima Nossa Senhora pediu com insistência que rezássemos o terço todos os dias. Esta oração que é simultaneamente, a preferida das pessoas mais humildes e também dos grandes místicos e orantes mas desprezada por intelectuais e racionalistas, ajuda-nos a contemplar com Maria os mistérios da vida de Cristo, mistérios que devem dar forma à nossa vida cristã. Rezemos o terço em família ou na igreja paroquial, sozinhos ou em grupo. Consagremo-nos a Nossa Senhora, cheios de confiança, para que ela nos defenda do mal e nos ajude a caminhar como discípulos do seu Filho.
Como ensina o Catecismo da Igreja Católica: Maria é a orante perfeita, figura da Igreja. Quando lhe oramos, aderimos com ela ao desígnio do Pai que envia o seu Filho par salvar todos os homens. Como o discípulo amado, nós acolhemos em nossa casa a mãe de Jesus tornada mãe de todos os viventes. Podemos orar com ela e orar-lhe a ela. A oração da Igreja é como que sustentada pela oração de Maria. Ela está-lhe unida na esperança (CIC 2679).
Perguntas para refletir e dialogar:
A Igreja celebra no dia 15 de Agosto de cada ano, tanto no Oriente como no Ocidente, a Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, ou seja, da sua morte bem-aventurada. É o Óbito da Virgem Maria, a sua Dormição, o seu Trânsito, a sua Assunção. Estas quatro palavras dizem quase tudo acerca da maneira como encaramos a morte física nós que sacramentalmente já morremos e ressuscitámos com Cristo no Batismo, e que vivemos a vida presente levando sempre no nosso corpo o morrer de Jesus para que também no nosso corpo se manifeste a sua vida de ressuscitado (Cfr.2Cor 4,10). A morte do cristão é óbito, ou seja, encontro com Cristo ressuscitado, vencedor da morte. É dormição porque adormecemos no Senhor na esperança da ressurreição. É trânsito, é passagem com Cristo deste mundo para o Pai. É assunção, porque ali Cristo assume plenamente cada um de nós levando-nos consigo para o Céu, para as moradas eternas da Casa do Pai.
Maria é representada três vezes no ícone tradicional da sua Assunção. No primeiro plano vemos, estendido sobre um leito, o seu corpo morto, rodeado pelos Apóstolos. Segundo uma antiga lenda, os Apóstolos reuniram-se à volta de Maria nos últimos momentos da sua vida, e é envolvida por eles, representando a Igreja universal, que ela parte deste mundo. Tal como a vida do cristão, também a sua morte é uma liturgia. Nenhum cristão deve morrer sozinho, como aliás já era tradição do povo de Israel. Esta liturgia da morte de Maria é presidida por Pedro que incensa aquele corpo santíssimo em que o Verbo de Deus se fez homem. No centro, resplandecendo luminoso sobre um fundo negro que significa a morte, aparece Jesus ressuscitado que tem ao colo a sua Mãe, como menina recém-nascida, porque a morte é o verdadeiro dia do nascimento de cada cristão para a Vida Eterna. Na parte superior são representados habitualmente alguns anjos que levam Maria para o Céu.
Entre as diversas súplicas que dirigimos a Maria, todos conhecemos de cor estas duas: Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte e rogai por nós Santa Mãe de Deus para que sejamos dignos de alcançar as promessas de Cristo. A hora da nossa morte é habitualmente precedida pela agonia. A palavra agonia significa luta. Não se trata apenas da luta do corpo contra morte, da luta derradeira entre a vida e a morte, luta que a morte vai ganhar, mais cedo ou mais tarde. Trata-se da luta espiritual entre aceitar ou não a vontade de Deus, entre morrer reconciliado ou morrer revoltado, rejeitando o seu amor. Como é consoladora a certeza de que Maria nos sustenta com a sua intercessão nessa luta em que tudo se decide para cada um de nós!
Pedimos também que, pela sua oração, nos tornemos dignos de alcançar as promessas de Cristo. Quais são essas promessas? A Ressurreição e a Vida Eterna: quem crê em Mim ainda que morra viverá e Eu o ressuscitarei no último dia (Jo 11, 25). Quem acredita em Mim tem a Vida Eterna (Jo 6, 40.47)! A vida eterna é o grande objetivo da esperança cristã. A fé abre-nos as portas do céu que outra coisa não é senão amar a Deus e ao próximo em plenitude, sempre. É à luz da promessa da Vida Eterna que nós cristãos vivemos e caminhamos, não à luz do passado nem do presente. Tal como foi a vida de Maria, assim é a vida do cristão: regressar ao Pai por Cristo, com Cristo e em Cristo. Por Cristo, porque ninguém vai ao Pai senão por Ele (Cf.Jo 14,6); com Ele e n’Ele porque ninguém subiu ao Céu a não ser Aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem (Jo.3,13).
A glorificação de Nossa Senhora como Rainha dos Anjos e dos Santos garante-nos que não é apenas a Cabeça da Igreja, Cristo, que está glorificada junto do Pai. Com Ele, também Maria participa já plenamente da glória da Santíssima Trindade. Os outros membros da Igreja, a começar pelos Apóstolos, Mártires e Santos estão, digamos assim, em processo de glorificação que apenas ficará concluído no fim do mundo, quando, depois do Juízo Final, Cristo entregar o reino a Deus, seu Pai (cfr. 1Cor 15, 23-24). Nós, peregrinando ainda no deserto desta vida para a Terra Prometida, sustentados pela mesma promessa de Cristo e pelo exemplo dos Santos, estamos ainda num processo de purificação pelo fogo do Amor que poderá ter de ser concluído no Purgatório. Mas, como diz S. Paulo, sabemos que «os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós» (Rm 8,18).
- Sou do Céu! Assim respondeu Nossa Senhora à primeira pergunta de Lúcia na primeira aparição, no dia 13 de Maio de 1917. Com ela e como ela, também nós que agora caminhamos na terra seremos inteiramente do Céu. Infelizmente, para muitos cristãos do nosso tempo não é relevante nem determinante esta esperança sobrenatural e é só para a vida presente que acreditam em Cristo. Que miopia espiritual! O dogma da Assunção de Nossa Senhora, proclamado pelo Papa Pio XII no dia 1 de Novembro de 1950, é muito importante para a Igreja e para nós. Vendo plenamente realizadas na Santíssima Virgem Maria as promessas de Cristo, fortalecemo-nos nesta esperança que não engana, de que o Céu existe e Deus é fiel às suas promessas. Sabeis o que é o Céu? Como afirmou um grande teólogo do século XX, von Balthasar, o Céu é Deus, para aqueles que O amam; o Inferno é Deus, para aqueles que O odeiam; e o Purgatório é Deus, para aqueles que O desejam.
A nossa vida foi projetada, desde sempre no desígnio de Deus e historicamente desde o nosso Batismo, para participarmos na mesma glória de Deus e do Seu Filho Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos Santos. Não é a mesma coisa vivermos pensando que na morte tudo acaba, ou esperando esta plenitude de vida e de amor que é Deus, que é a glória do Céu (Cf.2Cor 4,16-5,1). É por isso que a Igreja nos ensina a cantar: com minha Mãe estarei na santa glória um dia…
Perguntas para refletir e dialogar: