António Ramires (Pároco de Campelos entre 2003 e 2006) in Memória e História da Paróquia de Campelos, da autoria de José Damas Antunes
O Círio de Campelos ao Senhor Jesus do Carvalhal (santuário no Carvalhal – Bombarral) iniciou-se em 1856 após o segundo surto de cólera por promessa feita pelo povo de Campelos que sobreviveu à trágica e agressiva doença que se espalhou em Portugal no século XIX. A romaria foi passando de geração em geração chegando até aos dias de hoje.
No Círio de Campelos há sempre uma criança que se veste de anjinho e canta a Loa, na partida e na chegada de Campelos e na chegada e na partida do Santuário. “Os anjinhos (…) são como que um intermediário entre Deus e os homens (…)” (Antunes: 2006: 26).
Ei-lo aos ares desfraldado
o triunfante pendão
de Jesus do carvalhal
Amor da lusa Nação
Vamos fiéis dos Campelos
com zelo e pompa sagrada
coloca-lo junto às aras
da sua augusta morada
Encurvado em frente
do seu busto soberano
nessa terra de saudades
matar saudade de um ano
Ó Carvalhal bom romeiro
ó pai de nossos avós
lá na crista da montanha
está chamando por nós.
Somos chegados romeiros
com grande satisfação
ao São Pedro do Carvalhal
de Jesus habitação
Aqui vêm todos pedir
a Jesus do Carvalhal
que lhes acuda que lhes valha
com seu afeto paternal
Aqui ó Pai amantíssimo
nos separa a toda a hora
aqui rico e pobre
Jesus Cristo adora
Que doce sonho é preciso
encerrar realidades
ir viver longe daqui
vida de acerbas saudades
Devotos pios romeiros
haja constância e valor
peçamos consolação
a Jesus Nosso Senhor
Juremos aos vossos pés
nesta dura despedida
pelos tributos de amor
durante os passos da vida
Vamos todos irmãos meus
aos nossos lares voltar
mas esperamos para o ano
tornaremos a cá voltar
Eis-nos que somos chegados
de festejar o Senhor
do Carvalhal onde demos
a Jesus alto valor
Naquele famoso templo
prostrados ante Jesus
lhe pedimos proteção
pela sua Santa Cruz
Ó filhos desta terra
tende sempre humildade
entregai a vossa alma
à Virgem da Piedade
Virgem Mãe da Piedade
nós vossos filhos, Senhora
vos pedimos do coração
sejais nossa protetora
socorrei os vossos filhos
ó Virgem Redentora
Para além do Anjinho, outra figura do Círio é o juiz da festa que transporta consigo a bandeira em honra do Senhor dos Aflitos e cabe-lhe a ele – em colaboração com a Comissão da Igreja – a organização de toda a festa. Este pendão passa de mão em mão todos os anos. No final de cada Círio é nomeado um novo juiz, que no ano seguinte transportará consigo a bandeira. Para além do juiz, participa também o guião do Senhor dos Aflitos que é levado pelo juiz do ano seguinte.
Caso não existam fiéis inscritos para dar continuidade à festa, cabe à Comissão da Igreja assegurar a realização do Círio e o continuar da promessa feita pelos antepassados locais ao Senhor Jesus do Carvalhal em hora de aflição.
A Romaria de Campelos festeja-se no 1º Domingo de Outubro. No domingo seguinte realiza-se o da Cabeça Gorda, e posteriormente o da Carrasqueira a 1 de Novembro.
A realização da Festa Anual em Campelos nasceu da romaria ao Senhor Jesus do Carvalhal.
No início os romeiros deslocavam-se ao Carvalhal (concelho do Bombarral) a pé e nos carros de bois e pernoitavam lá. À noite havia sempre gaiteiros que animavam os espíritos dos fiéis.
Nas primeiras décadas do século XX o Círio passou a ser um só dia, muito pela evolução das acessibilidades e dos meios de locomoção. Mas a ideia de fazer a festa pagã manteve-se e assim nasceu a festa anual.
Sendo o Círio realizado no 1º Domingo de Outubro a festa é organizada em torno desta data. No fim-de-semana há as festas religiosas: no sábado realiza-se a missa de festa, com procissão, em honra ao Senhor Jesus dos Aflitos; e no domingo o Círio. Nos restantes dias, usualmente cinco, mas houve anos que foram 10, há a festa pagã.
Inicialmente a festa era organizada pelo Juiz da festa religiosa como forma a ajudar nas despesas com o Círio e a colaborar com a Comissão da Igreja. Atualmente, a festa pagã tomou lugar predominante e passou a ser organizada por uma associação, ou um grupo de instituições, para angariar fundos para as suas atividades.
A Serração da Velha, ou Serrança das Velhas, é uma manifestação popular que ocorre na noite da 3ª Quarta-Feira da Quaresma e que percorre a localidade indo à porta da família que foi avó pela primeira vez, desde a serração do ano anterior.
Em Campelos a tradição foi retomada há cerca de 20 anos, depois de um interregno, pelos dirigentes da ASOCA – Associação de Solidariedades Social e de Socorros de Campelos em colaboração com outras pessoas da comunidade, que todos os anos fazem o levantamento dos nascimentos que vão ocorrendo e anotando quem é avô pela primeira vez.
A Serração é cantada à porta dos novos avós, que recentemente entraram no rol dos velhos, em choradeira. A ladainha entoada é um “testamento” onde é distribuido os bens da família, tudo em grande algazarra, com sons imitando o serrote a cortar madeira, chocalhos e outras sonoridades ruidosas, de modo a acordar os da casa que teoricamente não sabem da visita, ainda que a visita seja combinada em sigilo. Mas há sempre alguém que sabe, ficando reservado para o final da ronda, que termina tarde, o último a ser visitado prepara uma mesa com comes e bebes para reconfortar o esforço da cantoria e da caminhada.
Tradição antiga em que no início da Quaresma um rapaz abordava uma rapariga para ser sua comadre, por vezes já com o intuito de a partir daí iniciar namoro com esta, entre os dois havia um “contrato”: “Contratar, contratar, mandar rezar 3 vezes ao dia, Pai Nosso, Avé Maria”. Com o acordo aceite passava a haver uma disputa entre eles, durante a quaresma ambos tentavam ser o primeiro a ver o outro e dizer “reza”.
No fim da Quaresma, na Quinta Feira Santa, o rapaz dava à rapariga amêndoas sendo retribuído com um folar com ovo. Nos últimos anos faziam-se listas de Comadres e Compadres para sortear os nomes dos jovens solteiros em idade de namorar. A listagem era realizada, por um grupo de jovens, no início da Quaresma e afixada em local público a cada Compadre (rapaz) correspondia uma Comadre (rapariga).
Alguns casamentos na freguesia tiveram origem nestes “contratos”, mas esta tradição caiu em desuso e já não se realiza há cerca de 30 anos.